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Pretende a Ryanair ficar sozinha na aviação em Portugal?

A atual pandemia está a pôr o mundo à beira do abismo com consequências dramáticas nos planos económico e social. Na aviação vive-se a maior crise da sua história, acentuando-se a incerteza quanto ao seu futuro.

O verão trouxe esperança, mas é unânime que a retoma a sério só acontecerá quando a pandemia for debelada. Perante um cenário de catástrofe na aviação sucederam-se pedidos de apoio para garantir a sua sobrevivência. A A4E (Airlines for Europe), que agrupa as principais companhias europeias — “tradicionais” ou low-cost —, tomou a iniciativa, contando desde logo com a recetividade de muitos governos e da própria União Europeia.
O Reino Unido mostrou-se igualmente aberto às diligências da Airlines UK, que agrupa companhias que operam naquele país. Nesse âmbito, a Ryanair, que agora se queixa dos apoios de países europeus às companhias nacionais, beneficiou já há meses de um empréstimo de 600 milhões de libras. Antecipando possíveis críticas, defendeu que o “seu apoio é o mais transparente” (?). Agora, Eddie Wilson, seu CEO, clama no jornal Expresso que o apoio do Governo português à TAP é um “erro” e um “escândalo”, para além de uma “vergonha” para a Comissão Europeia, referindo-se à sua queixa ao Tribunal de Justiça da União Europeia contra companhias como a Lufthansa, Air France, SAS ou a TAP. Às queixas em toda a Europa de
incumprimento da Ryanair aos acordos e da legislação nacional ou comunitária quanto às regras de trabalho e remuneração dos seus tripulantes, Eddie Wilson respondeu a questões sobre este tema com uma pergunta: “Os portugueses não têm calculadoras?” Claro que têm. Por exemplo, para somar os lucros da Ryanair, embora baste uma conta de cabeça. Só nos últimos cinco anos atingiram a obscena cifra de 5900 milhões de euros, de que uma fatia substancial se deve a subsídios recebidos por toda a Europa de governos e regiões, de organismos de turismo e de aeroportos. Não se sabe é qual a parte que corresponde a subsídios recebidos, porque a opacidade é total. A tese da Ryanair, que pretende receber apoios de todos os governos onde opera, é que é um escândalo. Aliás, já é um pouco forçado o apoio financeiro do Reino Unido, mesmo sabendo que a rede operacional da companhia irlandesa se situa nos arredores de Londres. O normal seria contar, em exclusivo, com o apoio do país onde tem a sua base fiscal: a Irlanda. Tal tese é totalmente peregrina e só lembra a quem está viciado na subsidiodependência. Escândalo é a Ryanair não respeitar na Europa os direitos dos seus passageiros, acumulando-se reclamações nos tribunais. Escandaloso é o facto de, segundo as autoridades italianas, não cumprir as normas relativas ao combate à pandemia, ameaçando suspender a sua atividade no país. Vergonha é utilizar métodos coercivos inaceitáveis contra os
seus trabalhadores quanto a salários, condições de trabalho e de emprego. Escândalo é anunciar “cortes selvagens” na sua atividade em Portugal.
A TAP, das mais antigas companhias de aviação da Europa, foi apanhada pela pandemia quando devia iniciar as comemorações dos seus 75 anos de
vida. Não estando ainda consolidada a sua recente privatização, a pandemia provocou uma alteração de todos os planos. Segundo notícias públicas, a posição dos privados estaria então a ser negociada com a Lufthansa, negócio que, por razões óbvias, se terá gorado.
Seguiu-se o anúncio de indisponibilidade de os privados acompanharem o aumento de capital, acabando por negociar com o Governo a sua posição na
TAP, mantendo-se apenas no capital o grupo liderado por Humberto Pedrosa. O Estado português ficou assim confrontado com um enorme desafio.
Preferindo-se o modelo público ou privado, a verdade é que não foram felizes os anos que se seguiram à nacionalização pela notória influência partidária na gestão da companhia, situação que durou até 2000, com a entrada de Fernando Pinto e a sua equipa profissional.
O benefício da TAP para Portugal é hoje evidente para a economia — o turismo, em especial —, para as regiões autónomas, para a diáspora e para a criação de emprego, direto e indireto. Recordo o caos que se seguiu à falência da Swissair e da Sabena e o prejuízo para os respetivos países, situação só normalizada com a criação de novas companhias nacionais. Claro que a TAP deve justificar o apoio do Estado e dos portugueses. Mas convém não
esquecer que o nosso mercado é insuficiente para garantir a dimensão necessária, sendo indispensável o reforço da presença nos mercados internacionais através uma ampla rede de destinos e frequências, o que foi possível com a criação do “hub” beneficiando das vantagens da situação geográfica de Portugal. Avaliando o conjunto da informação divulgada pela comunicação social sobre a atual situação da TAP, adianto as seguintes considerações:
— deve, com a máxima urgência, ser retomada a cadeia normal de comando com um conselho de administração executivo em plenitude de funções, pondo termo a remendos e confusões, sob pena de a situação se degradar irremediavelmente. A aviação é uma atividade muito específica e complexa que se desenvolve num ambiente global altamente concorrencial, obrigando que administração seja composta por profissionais com provas dadas no
setor;
— a atividade da administração, obedecendo ao plano estratégico e respeitando as diretivas gerais do acionista e dos órgãos de supervisão próprios, deve ser exercida com total independência e autonomia;
— a serem verdadeiras as notícias de que não há uma uniformidade no Governo quanto à condução do atual processo da TAP, devem desenvolver-se as diligências necessárias para que tal seja resolvido, pois tal situação prejudica seriamente a companhia nacional;
— na preparação do Plano de Reestruturação, é necessário colmatar lacunas e insuficiências técnicas na equipa anunciada. Para colaborar nesta nova fase da vida da TAP, com que argumentos faz sentido manter a BCG (Boston Consulting Group), que esteve ao serviço dos objetivos dos acionistas privados na fase anterior?
— a TAP foi nos últimos anos objeto de muitas mudanças de estrutura e de quadros, com saídas e entradas, sendo notória a secundarização de muitos quadros com muita experiência na atividade. Urge normalizar a situação, recuperando níveis de relacionamento e confiança interna, valorizando competência e experiência;
— deve ser reforçada a proximidade e o diálogo com os parceiros de negócio, em especial no mercado nacional. É verdade que muitas vezes se confunde o papel da TAP no contexto nacional, pedindo-lhe que assuma responsabilidades que são do Estado. A TAP é “só” (o que é muito) um parceiro insubstituível de negócio que está, como todas as empresas, obrigada a ter resultados positivos. Com boa vontade e diálogo, todos ganham.
P.S. 1: Escandaliza que em 75 anos de vida a TAP só tenha tido uma mulher na sua administração executiva. Não é altura de dar às mulheres um papel em consonância com as realidades atuais?
P.S. 2: A Ryanair está a disparar em todas as direções, incluindo a SATA no lote dos inimigos a abater. Não é altura de o Governo Regional dos Açores ponderar se estes irlandeses merecem os apoios que lhe têm sido proporcionados nas ligações à região? Não será também adequado, agora que o Estado reforça o seu papel na TAP, o Governo da República promover uma verdadeira parceria entre as companhias nacionais, com vantagens e sinergias para todos?

Fonte: António Monteiro (jornal Público)

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