pista73.com

conteúdos de aviação comercial

Inicio

Europa, Aviação Comercial

Pretende a Ryanair ficar sozinha na aviação em Portugal?

A atual pandemia está a pôr o mundo à beira do abismo com consequências dramáticas nos planos económico e social. Na aviação vive-se a maior crise da sua história, acentuando-se a incerteza quanto ao seu futuro.

O verão trouxe esperança, mas é unânime que a retoma a sério só acontecerá quando a pandemia for debelada. Perante um cenário de catástrofe na aviação sucederam-se pedidos de apoio para garantir a sua sobrevivência. A A4E (Airlines for Europe), que agrupa as principais companhias europeias — “tradicionais” ou low-cost —, tomou a iniciativa, contando desde logo com a recetividade de muitos governos e da própria União Europeia.
O Reino Unido mostrou-se igualmente aberto às diligências da Airlines UK, que agrupa companhias que operam naquele país. Nesse âmbito, a Ryanair, que agora se queixa dos apoios de países europeus às companhias nacionais, beneficiou já há meses de um empréstimo de 600 milhões de libras. Antecipando possíveis críticas, defendeu que o “seu apoio é o mais transparente” (?). Agora, Eddie Wilson, seu CEO, clama no jornal Expresso que o apoio do Governo português à TAP é um “erro” e um “escândalo”, para além de uma “vergonha” para a Comissão Europeia, referindo-se à sua queixa ao Tribunal de Justiça da União Europeia contra companhias como a Lufthansa, Air France, SAS ou a TAP. Às queixas em toda a Europa de
incumprimento da Ryanair aos acordos e da legislação nacional ou comunitária quanto às regras de trabalho e remuneração dos seus tripulantes, Eddie Wilson respondeu a questões sobre este tema com uma pergunta: “Os portugueses não têm calculadoras?” Claro que têm. Por exemplo, para somar os lucros da Ryanair, embora baste uma conta de cabeça. Só nos últimos cinco anos atingiram a obscena cifra de 5900 milhões de euros, de que uma fatia substancial se deve a subsídios recebidos por toda a Europa de governos e regiões, de organismos de turismo e de aeroportos. Não se sabe é qual a parte que corresponde a subsídios recebidos, porque a opacidade é total. A tese da Ryanair, que pretende receber apoios de todos os governos onde opera, é que é um escândalo. Aliás, já é um pouco forçado o apoio financeiro do Reino Unido, mesmo sabendo que a rede operacional da companhia irlandesa se situa nos arredores de Londres. O normal seria contar, em exclusivo, com o apoio do país onde tem a sua base fiscal: a Irlanda. Tal tese é totalmente peregrina e só lembra a quem está viciado na subsidiodependência. Escândalo é a Ryanair não respeitar na Europa os direitos dos seus passageiros, acumulando-se reclamações nos tribunais. Escandaloso é o facto de, segundo as autoridades italianas, não cumprir as normas relativas ao combate à pandemia, ameaçando suspender a sua atividade no país. Vergonha é utilizar métodos coercivos inaceitáveis contra os
seus trabalhadores quanto a salários, condições de trabalho e de emprego. Escândalo é anunciar “cortes selvagens” na sua atividade em Portugal.
A TAP, das mais antigas companhias de aviação da Europa, foi apanhada pela pandemia quando devia iniciar as comemorações dos seus 75 anos de
vida. Não estando ainda consolidada a sua recente privatização, a pandemia provocou uma alteração de todos os planos. Segundo notícias públicas, a posição dos privados estaria então a ser negociada com a Lufthansa, negócio que, por razões óbvias, se terá gorado.
Seguiu-se o anúncio de indisponibilidade de os privados acompanharem o aumento de capital, acabando por negociar com o Governo a sua posição na
TAP, mantendo-se apenas no capital o grupo liderado por Humberto Pedrosa. O Estado português ficou assim confrontado com um enorme desafio.
Preferindo-se o modelo público ou privado, a verdade é que não foram felizes os anos que se seguiram à nacionalização pela notória influência partidária na gestão da companhia, situação que durou até 2000, com a entrada de Fernando Pinto e a sua equipa profissional.
O benefício da TAP para Portugal é hoje evidente para a economia — o turismo, em especial —, para as regiões autónomas, para a diáspora e para a criação de emprego, direto e indireto. Recordo o caos que se seguiu à falência da Swissair e da Sabena e o prejuízo para os respetivos países, situação só normalizada com a criação de novas companhias nacionais. Claro que a TAP deve justificar o apoio do Estado e dos portugueses. Mas convém não
esquecer que o nosso mercado é insuficiente para garantir a dimensão necessária, sendo indispensável o reforço da presença nos mercados internacionais através uma ampla rede de destinos e frequências, o que foi possível com a criação do “hub” beneficiando das vantagens da situação geográfica de Portugal. Avaliando o conjunto da informação divulgada pela comunicação social sobre a atual situação da TAP, adianto as seguintes considerações:
— deve, com a máxima urgência, ser retomada a cadeia normal de comando com um conselho de administração executivo em plenitude de funções, pondo termo a remendos e confusões, sob pena de a situação se degradar irremediavelmente. A aviação é uma atividade muito específica e complexa que se desenvolve num ambiente global altamente concorrencial, obrigando que administração seja composta por profissionais com provas dadas no
setor;
— a atividade da administração, obedecendo ao plano estratégico e respeitando as diretivas gerais do acionista e dos órgãos de supervisão próprios, deve ser exercida com total independência e autonomia;
— a serem verdadeiras as notícias de que não há uma uniformidade no Governo quanto à condução do atual processo da TAP, devem desenvolver-se as diligências necessárias para que tal seja resolvido, pois tal situação prejudica seriamente a companhia nacional;
— na preparação do Plano de Reestruturação, é necessário colmatar lacunas e insuficiências técnicas na equipa anunciada. Para colaborar nesta nova fase da vida da TAP, com que argumentos faz sentido manter a BCG (Boston Consulting Group), que esteve ao serviço dos objetivos dos acionistas privados na fase anterior?
— a TAP foi nos últimos anos objeto de muitas mudanças de estrutura e de quadros, com saídas e entradas, sendo notória a secundarização de muitos quadros com muita experiência na atividade. Urge normalizar a situação, recuperando níveis de relacionamento e confiança interna, valorizando competência e experiência;
— deve ser reforçada a proximidade e o diálogo com os parceiros de negócio, em especial no mercado nacional. É verdade que muitas vezes se confunde o papel da TAP no contexto nacional, pedindo-lhe que assuma responsabilidades que são do Estado. A TAP é “só” (o que é muito) um parceiro insubstituível de negócio que está, como todas as empresas, obrigada a ter resultados positivos. Com boa vontade e diálogo, todos ganham.
P.S. 1: Escandaliza que em 75 anos de vida a TAP só tenha tido uma mulher na sua administração executiva. Não é altura de dar às mulheres um papel em consonância com as realidades atuais?
P.S. 2: A Ryanair está a disparar em todas as direções, incluindo a SATA no lote dos inimigos a abater. Não é altura de o Governo Regional dos Açores ponderar se estes irlandeses merecem os apoios que lhe têm sido proporcionados nas ligações à região? Não será também adequado, agora que o Estado reforça o seu papel na TAP, o Governo da República promover uma verdadeira parceria entre as companhias nacionais, com vantagens e sinergias para todos?

Fonte: António Monteiro (jornal Público)

Mais em Aviação Comercial, Europa (659º de 1281 artigos)

«O Grupo SATA registou um prejuízo acumulado de 25 milhões de euros no final do terceiro trimestre de 2017, agravando um buraco que já ultrapassa os 200 milhões de euros. Para dotar a SATA de um ...