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Groundforce – um caso de falta de decisão e adiamento de soluções

Groundforce em Faro

«Portugal foi ontem surpreendido – se é que estas situações, infelizmente, ainda causam alguma surpresa – pelo despedimento colectivo de 336 trabalhadores da Groundforce na escala do Aeroporto de Faro.
Desde há alguns anos que quem está relacionado com o sector da aviação comercial sabia que a situação deste empresa de handling era insustentável e que alguém tinha de tomar medidas que passariam necessariamente por uma tomada de posição semelhante. Era preciso reduzir os quadros de pessoal. O desagradável foi ninguém ter tido a coragem de resolvê-la antes, quando ainda era possível negociar e reduzir para metade, como chegou a estar previsto, o contingente de profissionais que a Groundforce tem nos seus quadros na capital algarvia, onde a perda de negócio ocorreu a favor da única concorrente, uma empresa constituída também por capitais públicos, pois a Portway pertence integralmente à ANA – Aeroportos de Portugal.
Estamos perante uma situação de concorrência, de esmagamento de margens de lucro, dentro de um segmento de serviços em que as duas concorrentes pertencem ao mesmo patrão. Uma situação incrível, que deixa muita gente a pensar, e que mostra a falta de decisão e determinação de uma tutela que não acautelou os seus interesses, nem teve a coragem de falar claro aos trabalhadores. A tutela preferiu perder dinheiro, cerca de 20 milhões por ano, imputados nas contas de uma companhia aérea que nada ganhou com isso, e adiou-se uma solução que poderia ser tomada com efeitos menos drásticos.
Todos sabemos a impopularidade que os trabalhadores da Groundforce ganharam infelizmente junto dos consumidores, neste caso os passageiros que utilizam os aeroportos, afectada por uma onda de atrasos de bagagens e de desaparecimento de malas que penalizaram muito as companhias aéreas em Portugal nos últimos três anos, nomeadamente a TAP, dona da Groundforce e seu principal cliente. As explicações foram sempre muito dúbias e nunca ficou bem esclarecido se as anomalias se deviam a um serviço mal orientado ou se os actos eram praticados por grupos de trabalhadores que sabotavam o serviço ou, que, simplesmente, praticavam durante as horas de serviço esses actos criminosos. No entretanto, enquanto se apuravam responsabilidades, a população ficou sem saber o que se passava nos bastidores dos aeroportos portugueses, e o silêncio profundo de ambas as partes caracterizou um tempo em que a TAP reclamou, é certo, desse serviço, mas foi pagando indemnizações de acordo com a legislação em vigor. Nada de outro mundo, dirão alguns, pois malas desaparecem em todos os aeroportos. Só que em Portugal foi demasiado. E na Madeira nós sabemos bem o que acontecia, pois éramos vítimas privilegiadas dessas situações nunca esclarecidas, nos aeroportos de Lisboa e do Porto, especialmente. O odioso ficou para os trabalhadores.
Por outro lado sabia-se a dificuldade de encontrar uma solução para a Groundforce. Muitos dos trabalhadores tinham vindo do handling da TAP, com um acordo de empresa com cláusulas de retribuição salarial muito vantajosas, comuns (nesse tempo) nas empresas que se dedicam a esta área de negócio. Isso complicava as decisões e sempre foi um motivo redutor para quem assumiu a responsabilidade de gerir a empresa.
Ontem, quando foi anunciada a decisão de encerrar Faro e despedir os trabalhadores, o País ficou a saber que afinal essas três centenas de trabalhadores têm muito pouco trabalho, e um grau de absentismo muito grande. Neste caso, o autismo não foi só da parte da entidade patronal, pois os sindicatos, empurraram os trabalhadores para um beco sem saída. A falta de diálogo e a defesa intransigente dos direitos dos seus associados exigia uma posição de força. Fizeram o seu trabalho, mas esqueceram o essencial que era a falta de receitas e o crescimento da dívida face a custos elevadíssimos, que afundavam a empresa.
Agora sabe-se que a TAP não precisa de ter pessoal de handling em Faro. A companhia ‘abandonou’ o aeroporto algarvio por falta de tráfego, engolida pelas companhias de baixo custo, que hoje dominam o movimento, nomeadamente no sector do turismo. O tráfego doméstico é residual, se olharmos para os quadros de chegadas e partidas. Também na carga aérea o movimento tem pouca expressão. As perdas em Faro andarão pelos oito milhões de euros por ano.
É uma situação triste num país onde o desemprego não pára de aumentar e que não acabou com os despedimentos em Faro. As escalas do Porto e da Madeira não irão ficar incólumes a esta onda de reorganização da Groundforce. Embora tenha sido afirmado ontem que o encerramento de Faro é para viabilizar as outras escalas, com referência expressa à Madeira, sabemos que há um projecto de reestruturação para implantar na Região Autónoma, onde um quadro de cerca de 300 trabalhadores é também considerado excessivo, face ainda à maior concorrência da Portway instalada também no arquipélago e a praticar melhores preços e com métodos de trabalho que agradam mais aos clientes (as companhias aéreas) que pretendem um serviço rápido e barato.
O caso da Groundforce é paradigmático da falta de decisão e planeamento de algumas empresas públicas no nosso País, onde se admite e se despede ao sabor da oportunidade política e dos ‘timings’ dos partidos que governam, sejam eles quais forem.
Mas isto não vai ficar por aqui. Todos sabemos que os trabalhadores e os sindicatos não irão ficar parados. Têm esse direito e a onda de ricochete poderá atingir toda a operação aeroportuária e as companhias aéreas que operam em Portugal. Num período de crise não se mediram os efeitos deste despedimento, nem os seus custos sociais. Tudo foi adiado à espera de um comprador que viria ninguém sabe de onde. Só um louco compraria a Groundforce nessas condições.
O saneamento da empresa poderá custar ainda mais alguns despedimentos. E a situação não ficará resolvida ainda, pois a legislação europeia não permite por muito mais tempo a titularidade do capital da Groundforce nas mãos da TAP. O novo dono irá exigir nova sangria e uma estrutura de custos compatível com o negócio. É triste, mas é esta situação de instabilidade que se vive num serviço que devia ter uma gestão e um comportamento estáveis perante os seus clientes e utilizadores.»

Catanho Fernandes, artigo publicado no jornal “Diário de Notícias”
(11 Novembro 2010)

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