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Samsonite – Fazer as malas e partir

As malas Samsonite são sinónimo de distinção, exclusividade, bom-gosto e modernidade. Foram criadas em 1910 nos Estados Unidos, por um jovem que achava a história de Sanção e Dalila um caso de sucesso.
Criou o seu próprio caso de sucesso – mas a empresa passou por períodos de grande dificuldade antes de voltar a ser o que era no início: a fabricante das melhores malas do mundo.
Denver, Colorado, 1910. Muito antes de as enormes fábricas com chaminés a deitar fumo em todas as direcções e dos arranha-céus onde se acantonariam os trabalhadores e a administração do território terem emergido do solo, Denver era uma povoação de garimpeiros. Criada em 1858 em plena febre do ouro, pouco passava de uma meia dúzia de ruas deitadas sob as intempéries, com os serviços que respondiam às necessidades duras de quem estava a desbravar o Oeste americano, terra de oportunidades, oportunismos, fantasias e desmandos.
Jesse Shwayder, um jovem muito religioso e muito ousado, parecia estar no último sítio do mundo onde fazia sentido lançar o negócio de que se lembrou: criar as malas mais resistentes que lhe fosse possível. Ou então não: se calhar, num mundo que estava em movimento constante e que era tudo menos seguro, ter malas resistentes talvez fosse a diferença entre perder tudo e assegurar o futuro.
Em Março desse ano, criou a Schwayder Trunk Manufacturing Company, que, com apenas dez funcionários, produzia baús de madeira e malas de mão nos melhores materiais da altura. Para o provar, empoleirou-se juntamente com o pai e os três irmãos em cima de uma das malas por si produzidas e mandou que os fotografassem. Seria o seu ‘cartão de visita’: mais de 500 quilos em cima de uma mala e ela mantinha-se intacta, como se nada fosse.
Teve um sucesso razoavelmente imediato e oito anos depois chegava às lojas Macy’s – na altura o mais importante canal de distribuição comercial dos Estados Unidos – e as vendas subiram em flecha. O conceito, que ainda hoje se mantém – durabilidade acima de tudo – pareceu agradar a uma faixa cada vez maior dos consumidores e, em 1939, o dono da Schwayder Trunk decidiu baptizar um dos seus produtos com o nome Samsonite, derivado de um dos heróis da sua infância, Sansão – o homem que, segundo o Novo Testamento, quis derrubar a ditadura dos Filisteus e tinha a sua força enorme concentrada nos longos cabelos.
O êxito foi de tal ordem, que a empresa adoptou a designação primeiro como marca a partir de 1941, e depois como nome da própria estrutura empresarial, que, a partir de 1965, passou a chamar-se Samsonite Corporation.
Mas a empresa rapidamente percebeu que a sua maior qualidade poderia ser também a sua maior debilidade: as malas eram de tal forma duráveis, que a necessidade de as substituir era muito limitada. Ou seja, era preciso encontrar sempre novos mercados de expansão.
O ano de 1956 marca o início do processo de internacionalização, com a inauguração de uma subsidiária no Canadá e com o departamento de exportação voltado para o continente europeu. O Canadá era uma espécie de mercado de expansão natural, enquanto que a Europa era onde estava o dinheiro novo (muito dele norte-americano, por via do Plano Marschall): a fúria consumista depois dos anos negros a seguir à guerra não dava grandes dúvidas quanto à necessidade de atravessar o oceano.
Atravessar o oceano: de repente, esse passava a ser um dos ‘desportos’ favoritos das pessoas. Com o desenvolvimento nunca antes visto da aviação e com a concomitante disseminação das viagens de avião – e também com a falta de cuidado no manuseamento das bagagens nos aeroportos, algo que aparentemente sempre existiu – a Samsonite passava a ser uma espécie de apetrecho imprescindível da modernidade.

Inovação
Mas, para chegar a esse patamar, a empresa criada em 1910 percebeu que a palavra-chave era inovação – até porque, pensava-se na altura, em termos de design não havia milagres: as malas haveriam de ser sempre aquela espécie de tijolo que carecia de ombros largos para ser transportado.
E, muito rapidamente, a Samsonite passou a destacar-se nesse particular: em 1959 produziu a primeira mala feita de magnésio, substituindo os pesados baús de madeira, a que chamou “Ultralite”; em 1962 fabricou a primeira mala para executivos em ABS (um material termoplástico rígido e leve, com alguma flexibilidade e resistência na absorção de impactos); em 1967 lançou malas em material rígido e com fechaduras; e em 1969 criou a primeira mala feita em polipropileno, a que chamou “Saturn”.
Resultado: à entrada da década de 1970, a Samsonite Corp. era líder mundial em produção de malas e maletas de mão.
O resto era marketing: a modelo Isabella Rossellini e, bem mais tarde, a actriz Christina Ricci, ‘deram a cara’ pela empresa, emprestando-lhe, por um lado, uma aura de ‘glamour’ que a marca soube incorporar de forma magnífica e, por outro, uma percepção de exclusividade – também patrocinada pelo elevado preço da maioria das produções da empresa – que a transformou num verdadeiro caso de estudo. Paralelamente, os anúncios que ao longo do tempo foram saindo das mãos dos técnicos acrescentaram modernidade e graça a um produto que, em certa medida, era um fio condutor sem sobressaltos.
Pelo meio, um enorme sucesso: em 1974, a empresa lançou no mercado a primeira mala com rodas. De uma assentada, transformou as malas num objecto fácil de transportar e criou um brinquedo com que entreter crianças em qualquer aeroporto do mundo.
Mas os tempos não estavam para graças: a economia global, que desceu como uma sombra (mas isso só se descobriria mais tarde, demasiado tarde para muitas empresas) sobre o planeta, obrigou a Samsonite Corp. a crescer.

Os anos da ressaca
O desenvolvimento orgânico passou a ser um bocejo para os accionistas que todos os anos se juntam (ou mandam por eles alguém que se junte) nas assembleias gerais, sempre desejosos de ver os rácios de crescimento a dispararem em contínuo, por muito que os EBITDA, as ‘bolhas’ dos resultados extraordinários e os capitais próprios aconselhassem a maiores reservas.
A década de 1990 começou com a aquisição da marca American Tourister, (1993), tradicional produtora de malas populares com preços acessíveis criada em 1933. O processo de rejuvenescimento mundial da marca teve início em 1999, com a criação da divisão de roupas masculinas. No ano seguinte, foi lançada a primeira linha de roupas, sapatos e acessórios femininos (a Samsonite BlackLabel, com enorme sucesso em Itália).
Tudo precisava de ser grande. Mas a empresa não descurava o seu ‘core business’: em 1994 lançou a primeira mala em polipropileno com zíper; e em 2000 criou a primeira mala de alumínio com estrutura em magnésio.
E subitamente, no início de um dia que nasceu para ser igual aos outros, as torres gémeas em Nova Iorque foram atacadas. O céu estava límpido na cidade que nunca dorme, naquele 11 de Setembro de 2001, mas escureceu-se subitamente – e ainda não é possível, tantos anos depois, termos a certeza do dia em que essa escuridão vai passar.
As companhias aéreas foram as primeiras a antecipar o encolhimento da economia global e a descobrir sinais negativos na sua capacidade de manter os negócios. A Samsonite Corp. acabaria por sofrer uma espécie de efeito colateral do ataque terrorista mais avassalador da história moderna: as viagens por cima dos oceanos deixaram de ser o desporto favorito da humanidade, para passarem a ser uma obrigação que só se cumpria em caso de força maior.
Resultado: o negócio das malas entrou em ruptura. Ninguém estava mais interessado em comprar um objecto cuja finalidade era ficar a acumular pó dentro de um armário ou debaixo de uma cama. Em 2003, e prestes a abrir falência, a Samsonite Corp. teve de recorrer a um grupo de bancos e de fundos de investimentos, que assumiram as dívidas e o controlo da empresa. Marcello Bottoli, na altura CEO da Louis Vuitton, foi contratado para dirigir os destinos da empresa que, apesar de moribunda, lhe ofereceu uma mala (muito) cheia de dinheiro.
Em boa hora, aparentemente: Bottoli – que tem no currículo passagens pela Procter & Gamble (França e Estados Unidos), Boston Consulting (Paris e Milão) e Benckiser Group (Espanha, França, Reino Unido e Holanda), para além da Louis Vuitton – conseguiu fazer regressar a empresa a uma situação de clara capacidade de sobrevivência.
Não foi, por isso, difícil que, volvidos uns anos, o grupo de bancos e fundos de investimento que salvaram a Samsonite Corp. da falência tivesse conseguido vendê-la – à CVC Capital Partners, por um total de 1,5 mil milhões de euros, entre dinheiro e assunção de dívida.
Mas nem todos os magos da gestão fazem magia 24 horas por dia, 365 dias por ano: Marcello Bottoli quis criar uma empresa que os novos accionistas acabariam por não querer ter. No fim de Outubro de 2008, Bottoli, anunciou planos para elevar o ‘status’ da marca americana: sapatos, bolsas femininas, óculos e relógios. Três meses depois, deixava a empresa. E a Capital Partner’s, pura e simplesmente, atirou o plano de Bottoli para o caixote do lixo.
Mas, antes de melhorarem, as coisas haveriam de piorar: a empresa – que entretanto estava espalhada por todo o mundo, apresentar-se-ia à falência às autoridades norte-americanas (em Setembro de 2009) e apontava como estratégia de salvação o encerramento de metade das 173 lojas que tinha no mercado interno, a diminuição da exposição planetária, o foco na produção de malas de viagem, a aposta no design e nos mercados emergentes e uma política de preços mais contida – que ia de encontro à diminuição planetária dos níveis de consumo, patrocinada pela crise global (tão global como o crescimento dos anos 90 do século passado) que se avolumou como um cogumelo venenoso a partir de 2007 e do ‘sub-prime’.
Aparentemente, deu resultado: em 2014, o grupo reportou um recorde de vendas próximo dos dois mil milhões de euros (mais 17,3% que no ano anterior), cerca de 200 milhões de resultados líquidos, com os mercados asiático a crescer 18% (para os 800 milhões de euros), o americano 30% (730 milhões), o latino-americano 15,7% (125 milhões) e o europeu ‘apenas’ 10,4% (500 milhões). Por outro lado, o grupo está agora focado em apenas quatro categorias: viagens (que proporcionaram uma facturação de 1,45 mil milhões de euros), ‘casual’ (230 milhões), negócios (229 milhões) e assessórios (130 milhões). Em Portugal, as malas Samsonite podem custar os pontos acima dos 500 euros – mas, como em todo o mundo, continuam a ser sinal de distinção, exclusividade, bom-gosto e modernidade. E a empresa global parece ter conseguido deixar para trás os maus momentos por que passou.

Fonte: António Freitas de Sousa